Como podemos reverter as alterações climáticas?




    Apesar dos GEE (gases de efeito estufa) serem conotados como os grandes vilões das alterações climáticas, é importante não esquecermos quem são os verdadeiros vilões, uma vez que o efeito estufa é um fenómeno natural e necessário para a existência de vida no nosso planeta.

    Em 1861, o físico britânico John Tyndall descobriu que o vapor de água e o gás carbónico, presentes na atmosfera, são os responsáveis pela manutenção da temperatura da Terra, ao permitirem a entrada de luz e dificultarem a saída do calor. Os GEE passam pela atmosfera para aquecer a superfície terrestre, sendo essa energia posteriormente expelida pela terra, na forma de radiação infravermelha de ondas longas, dificultando assim o seu escape para o espaço e impedindo que ocorra uma perda demasiado abrupta de calor. Assim sendo, o efeito estufa é um fenómeno natural e necessário para a existência de vida no nosso planeta. No início do século XX, o químico Sueco Svante Arrhenius, concluiu através de cálculos, que se o planeta não possuísse gás carbónico, a temperatura da terra seria reduzida em cerca de 21º C. Assim sendo, desde então, é sabido que o efeito oposto, ou seja, o aumento do gás carbónico, provocaria o aumento da temperatura terrestre. Contudo, mesmo com todo o conhecimento ao seu dispor, a humanidade não se desenvolveu com um olhar atento às questões ambientais. A revolução industrial, a agricultura extensiva e a pecuária se desenvolveram no sentido de suprir as necessidades humanas e gerarem capital. E neste momento, existe uma grande necessidade de retornarmos aos antigos modos de produção, de reduzirmos as nossas necessidades de consumo e de alterarmos o nosso tipo de alimentação, de forma a redurzimos o impacto negativo que o nosso estilo de vida vem provocando ao meio ambiente. Precisamos retroceder porque a sociedade não foi capaz de se desenvolver e evoluir respeitando o seu próprio habitat e os conhecimentos que sempre teve ao seu dispor.

    Ainda assim, mesmo reconhecendo o impacto catastrófico das ações do homem, as grandes potenciais mundiais parecem nao querer abrir mão daquilo a que consideram “desenvolvimento”. Parecem resistentes a adaptarem-se a uma nova realidade que se faz necessária. E, urgente, se quisermos ter água potável e terra fértil para cultivo, num futuro bastante próximo. Nos últimos anos muito se tem discutido sobre as alterações climáticas, muitas têm sido as convenções e os protocolos firmados e pouco se tem alcançado verdadeiramente. Parece-me, contudo, cada vez mais nítido que, imputarmos total responsabilidade aos Estados, é desresponsabilizarmo-nos por nossas escolhas e por nossa atuação enquanto sociedade civil. Se nao existir responsabilização da nossa parte, consciência, comprometimento e mudança efetiva dos nossos hábitos, daqui a 30 anos será impossível que as nossas acções não aprofundem o impacto negativo das escolhas que fazemos hoje. Teremos um planeta com refugiados climáticos e conflitos não por petróleo, mas por água e comida. E esse é um padigma mais próximo do que pudíamos alguma vez supor.

 

Emissão de Gases de Efeito Estufa


    Segundo o último relatório disponibilizado pela European Environment Agency – EEA (Setembro/2019), os cinco gases de efeito estufa mais poluentes são: a Amónia (NH3), Compostos orgânicos voláteis não metano, como benzeno e etanol (NMVOCs), Óxidos de Nitrogénio (Nox), Matéria particular fina, com 2.5 micrômetros ou menos (PM2.5) e Óxido Sulfúrico (Sox). Pelo gráfico, podemos observar que a agricultura é de longe responsável pela maior parte da emissão dos gases. Apesar de a Europa mostrar-se empenhada em reduzir as emissões de gases poluentes provenientes do sector dos transportes, apostando nos veículos elétricos, a verdade é que ao compararmos os dois gases mais poluentes, provenientes dos dois setores, agricultura e transportes, verificamos que enquanto o Óxido Sulfúrico (Sox), emitido pelo sector dos transportes, é responsável por 36,48% da poluição atmosférica, a Amónia (NH3), emitida pelo sector agrícola, é responsável por 92,14% da poluição.

     Não obstante aos dados serem contundentes quanto ao sector agrícola ser o mais prejudicial para as alterações climáticas, a EEA não menciona o metano, como um dos principais gases mais poluentes. Sendo no entanto, o metano proveniente do sector agrícola, responsável por 54% das emissões de gases mais poluentes, na Europa. E, quem o cita é a European Environment Bureau (EEB), a maior rede europeia de ONGs ambientais, no seu último relatório (Julho/2020). Segundo a EEB, o metano é responsável por 24% do aquecimento global do planeta, sendo que na Europa (2017),  cerca de 16% do total correspondem às emissões provenientes do sector energético, 28% do sector dos resíduos e 54% do sector agrícola. Estudos apontam que entre o período de 2010 e 2018, as emissões de metano dos principais sectores da Europa sofreram mudanças, sendo que o sector energético teve um decréscimo de 14,84%, o sector dos resíduos um decréscimo de 16,6% enquanto o sector agrícola, em contrapartida, teve um aumento de 0,62%.

     Enquanto tivermos uma Política Agrícola Comum (PAC) que apoia e incentiva, direta e indiretamente, a produção pecuária, com apoios voluntários usados por muitos Estados-Membros para subsidiar a produção de animais para consumo, será complexo conseguirmos reverter as alterações climáticas. O relatório da European Environment Bureau (EEB) refere que, em 2016, 49,5% de todas as vacas de corte e 36,5% do gado leiteiro eram suportados por esses subsídios.  É importante ressaltar que 63% das terras aráveis da UE são utilizadas para a produção de rações utilizadas para alimentar a indústria pecuária (também com recebimento de subsídios) e é imperativo ressaltar o quanto a PAC funciona diretamente contra o clima da UE.

     Apesar de a Comissão Europeia referir que em uma escala de tempo de 100 anos, o metano tem potencial de aquecimento global 28 vezes maior do que o dióxido de carbono e ser 84 vezes mais potente em uma escala de tempo de 20 anos, o foco de análise e discussão continua a prevalecer sobre o sector energético (petróleo e gás). E segundo a EEB, a Comissão deve considerar combater o metano no sector agrícola, tendo em conta de que grandes pecuaristas com mais de 50 unidades de gado são responsáveis por 70% das emissões de metano agrícola e cerca de 40% do metano total emitido na UE (em todos os setores). Para além disso, apenas 5% dos pecuaristas são responsáveis por 80% das emissões de amónia, sendo esta, assim como o metano, estritamente relacionada à pecuária e esterco, que possui suas emissões a aumentar, impedindo o real cumprimento dos Compromissos Nacionais de Redução de Emissões 2020 e 2030.

    Segundo a EEB, a estratégia de combate às emissões do metano deve ser vista como uma medida obrigatória e “win-win”, reduzindo não só o metano como a amónia,  e acrescentando a isso a  importante remoção frequente de estrume dos estábulos e a extração do biogás de chorume. Contudo, refere ainda, que apesar do importante papel que as usinas de biogás terão no futuro,  as mesmas não serão suficientes, pelo que é de salientar a necessidade da circularidade, e portanto, respetiva redução do desperdício, e assim, menor quantidade de material a ser usado por essas usinas. Desta feita, segundo a própria ciência indica, mudanças comportamentais serão igualmente relevantes para que seja possível corresponder aos objetivos climáticos, como por exemplo a redução do consumo de carne e leite, pelo que, é crucial combinar medidas técnicas com alterações comportamentais.

 



    Outra medida consideravelmente relevante para revertermos este cenário é a alteração dos métodos de produção agrícola, uma vez que o solo é absolutamente crucial para a proteção do clima, por ser responsável pela absorção de grande parte do carbono existente na atmosfera. Desta feita, é importante salientar o papel fundamental do húmus, capaz de sequestrar quatro vezes mais carbono da atmosfera, para além de ser riquíssimo em nutrientes importantes para o crescimento das plantas. Pelo que, é elementar regenerarmos o solo para recuperarmos a quantidade de húmus, bastando para tal que técnicas de rotação de culturas e utilização de resíduos vegetais como o biochar passem a ser incorporados na atividade agrícola. O biochar (utilizado pelos índios da Amazónia há milhares de anos) é uma biomassa de origem vegetal, composta de materiais orgânicos, como resíduos de madeira e plantas ou estrume de animais, que passam por um processo chamado de pirólise, promovendo a decomposição dos materiais a altas temperaturas.  Esse processo permite reter entre 20% a 50% do carbono presente nos resíduos, evitando que os mesmos escapem para a atmosfera. Ao ser introduzido no solo, o carbono presente no biochar, combinado com húmus e bactérias, contribui significativamente para a fertilidade do solo, podendo manter-se incorporado na terra por centenas de anos. Desta feita, o aumento global de húmus na superfície terrestre permitiria assim a retenção no solo de até 5 bilhões de toneladas de CO2 por ano e, por sua vez, a introdução do biochar, o armazenamento de até 2 bilhões de toneladas de CO2.

    Contudo, continuará a ser crucial travarmos a crescente conversão de solos ricos em húmus em terras aráveis, utilizadas para o cultivo de ração animal, destinadas à produção de carne. Tendo em conta de que 71% das terras aráveis do mundo são usadas para pasto, face aos apenas 18% destinadas ao cultivo de alimentos, a quantidade de húmus presente no solo vem sendo perdida de forma muito significativa. É de salientar que, cerca de 31% do total das emissões globais de CO2 são geradas pela produção de alimentos – englobando produção agrícola,  pecuária, fertilização, pesticidas, processamento de alimentos, produção de embalagens e transporte. Pelo que, sem alterações significativas nos métodos de produção agrícola, continuaremos a observar grandes perdas de carbono para a atmosfera (em forma de CO2), assim como outros gases de efeito estufa, intrinsecamente relacionados ao sector.

    Para concluir, se pretendemos realmente atingir os objetivos climáticos a que nos propomos, é necessário assumirmos desde já a nossa responsabilidade individual pelas escolhas que fazemos, desde a reciclagem do lixo e efetuação da própria compostagem, ao consumo consciente de carne ou a adopção de uma alimentação vegetariana ou vegana, ao optarmos por alimentos orgânicos ou plantarmos os nossos próprios alimentos (sempre que possível), e ao eliminarmos os desperdícios. Existem muitas mudanças que estão ao nosso alcance e, são por isso mesmo, da nossa responsabilidade, enquanto sociedade civil, focarmos nas modificações que individualmente podemos fazer, ao invés de esperarmos continuamente que as mudanças surjam por parte dos Estados. Não sejamos ingénuos, a indústria pecuária continuará a existir enquanto existirem consumidores ávidos por consumir carne e a agricultura continuará a persistir no seu modelo de produção extensiva para conseguir alimentar todos os animais criados para consumo. São os consumidores que ditam as regras e essas regras são como um jogo de poder, pelo que a partir do momento em que nos recusarmos a consumir os produtos que o mercado nos disponibiliza, da forma como os disponibiliza, esse mercado será obrigado a adaptar-se às novas regras. E, apenas a procura por outro tipo de produtos desenvolverá um sistema economicamente satisfatório para que a   adaptação a novos métodos de produção ocorra. Até lá, se continuarmos a acreditar que a transição energética nos salvará e que os veículos elétricos serão a resolução para os desafios climáticos que se apresentam, seremos apenas tolos.












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